Arnaldo não podia desistir

Não, não era tarde para desistir. Nem cedo. Não era cedo ou tarde. Simplesmente ele não podia desistir. Não acreditava na sorte, tampouco apostava suas fichas no destino. Queria liberta-se de todo aquele lixo de vida. Lixo que foi acumulando sem nem saber o porquê. Juntou o que pôde, juntou por juntar. Carcaças de carros, livros sem capas, fotografias rasgadas, xícaras lascadas e um bocado de sentimentos inúteis. Acabou que o espaço não dava mais para nada disso. Nada disso nem nada mais. Arnaldo não suportava mais a ideia de juntar o que quer que fosse na sua existência interminável. Desejou por fim na própria existência, porém antes teria que se livrar de tanto peso. Não poderia carregar as tralhas pela eternidade afora. Pôs anúncio no jornal. Espalhou a oferta boca a boca. Ninguém interessou-se. Vida desinteressante ele teve. E agora não conseguia desfazer-se dela. Lamentava não poder desistir. Ele não podia desistir. Não era cedo ou tarde, era impossível. Só restou conformar-se com seus lixos. Viu que lixo de vida tinha e saiu andando pela rua sem destino.

Danielle Arantes Giannini

Consolo

Na imensidão do mar encontro consolo, retiro força, adquiro paciência. Longe no mar, onde o horizonte traça uma linha divisória entre o que minha vista alcança e o que não se pode ver, entendo com mais vivacidade e clareza a grandeza das coisas de Deus. As águas em movimento eterno, disciplinadas pelas leis da natureza, me levam para o profundo contato com o que sou mas não percebo no cotidiano. É a sutileza dos mistérios que grita à minha frente querendo despertar. Envolvida por tal contemplação, ponho-me a escutar os mistérios, o insondável, o inaudível, o urgente. A imanente força da vida que não cessa quer se manifestar, porém nem todos estão atentos, entretidos com bebidas, com corpos, com prazeres gastos. É o som da rebentação que me extrai do superficialismo e avisa que o mar tem algo a me dizer.

E escuto, atenta, disponível, abraçada pelo divino, pensamento metafísico. Deixo levar o pensamento pelas idéias que não são minhas, vêm de presente dos seres que habitam o etéreo e conhecem o dstinos dos homens. Eu vislumbro o paraíso sem nem mesmo entender as dimensões da vida e acato ao apelo de servir. Faço um pacto e descubro que é meu compromisso de sempre, percebo também que é um pacto com a humanidade, sério, responsável, fiel. O mar me diz que para conseguir o
que desejo, preciso antes saber desejar. Ciente do que desejo, devo mobilizar forças que façam girar os fluídos de que os sonhos são feitos e depois esperar até que maturem as formas. Como a maré que sobe na hora de subir e desce na hora de descer; como a onda que corre o mar todo até encontrar a areia mole para quebrar; como os moluscos que não ganham a água sem antes abrir as conchas. Por que então me angustiar com a pressa das coisas se não sei quando é devido que elas se tornem fato? É o que o mar me questiona e não sei responder. Desconheço a resposta porque estou tomada por essa pressa inútil que mais serve para enfraquecer a fé. Com a ajuda prestimosa de um livro sobre a heroína da França, diante do mar, entendo o valor da coragem arregimentada pela fé nas coisas de Deus. Nada mais me resta a duvidar, nenhuma escolha a não ser manter-me coerente com a lei divina, nem mais uma sombra de descrença ou descrédito, nada a não ser empunhar a espada da vitória que transcende todas as eras, espada do bem, símbolo da bravura dos puros de coração e instrumento da providência. É esta espada que empunho de agora em diante, em busca do meu gênio céltico, porém mais integrada do que nunca à minha terra presente, ciente de que aqui posso plantar a semente da eternidade da vida, da pluralidade dos mundos e da ascensão pela luta. O mar escuta estes meus pensamentos e consente; sabe que entendi o seu recado e continua sua tarefa de despertar outras pessoas.

Danielle A.Giannini

(20 de julho de 2008, Ubatuba)

Por que escrevo?

porquescrevo-imagemEscrevo porque existem palavras. Escrevo porque alivia a alma. Escrevo porque as histórias querem ser contadas. As histórias acontecem independentemente das palavras, são mais poderosas que elas, mas rendem-se a limitadas linhas para sobreviverem além de si mesmas. Duram os instantes da leitura e depois resistem ou não à memória de quem leu. Eu escrevo porque os personagens existem, os lugares existem, diferente do tempo. Cada personagem conta sua própria história como lhe convém. Cada lugar empresta seu clima para que os personagens possam viver suas histórias. O tempo, não. O tempo pode existir, pode não existir. Passa na velocidade que bem entende, ninguém lhe acelera ou detém. O tempo ajuda ou atrapalha ao seu bel prazer. Liberta e escraviza, por vezes toda as rédeas da história. Chuta para longe o autor, faz calar as palavras. Escrevo porque quero dominar o tempo, quero salvar as histórias que nele estão. Eis por que escrevo.

Danielle Arantes Giannini