Finalmente Gertrudes

Esperou tanto Gertrudes, que quase desistiu. Eu estava ocupada demais perscrutando minha própria alma e me esqueci dela. Como tem paciência em abundância, a mulher não arredou pé até eu voltar de uma viagem longa dentro de mim, pois ela mesma sabia que sua história era bonita.
Gertrudes mulher, mãe, costureira, apreciadora de livros de romance. Adorava histórias de amor, embora nunca tivesse vivido uma. Não por falta de vontade, mas por não ter encontrado um homem que lhe fizesse se sentir Gertrudes. Até conheceu um rapaz aqui, um moço ali, tão cansativos! Gertrudes encomendou-me um pequeno conto em que coubesse toda sua vida, porém assegurei-lhe de que seria impossível por ser quem ela era, resposta que não lhe satisfez. Decidi ceder e dar-lhe algumas poucas linhas para contar um único acontecimento, ela escolheria. Escancarou um sorriso no rosto a mulher, que parecia estarem saltando os dentes para fora da boca. Pôs a contar, falando rápido e sem respirar, eu entendia com esforço o atropelo de palavras que ela dizia, e mesmo assim me emocionava.
Gertrudes não narrou nenhum feito maravilhoso, não confessou qualquer intimidade, disse que não tinha interesse nisso. O que a mulher pediu que eu escrevesse foi que nasceu de Dona Maria Quitéria, mãe de cinco filhos, que a amou, alimentou, mostrou o caminho da honestidade e partiu. Só isso, Gertrudes? Ora, por que eu haveria de querer mais? Só isso é a maior riqueza da minha vida, o resto todo vem disso, e você acha pouco? Coloque isso nas suas linhas, por favor, que fico agradecida demais.  Assim será feito, Gertrudes, obrigada por esperar.
Terminei de escrever um tanto embolada no pensamento porque me demorei tanto olhando para meus atropelos, que custei a perceber que estava diante de alguém realmente feliz.

Danielle Arantes Giannini

Lembrança do nada

No desejo teimoso meu de ser uma

A saudade não cessa

De outros tempos

Tempos que jamais estiveram na minha lembrança

Será o amor alheio a mim?

As horas passam ocupadas

Não vejo o quanto se foi

De risos de lágrimas de suspiros

Outro dia chega com as flores da repetida estação

Fresco desconhecido colorido,

No entanto, o mesmo

Na ânsia de ir e voltar

Perco-me nas linhas e letras sem fim

Vou com minha saudade, mais nada,

Ver quem está naquele lugar 

Naquele tempo

Que não conheço e vislumbro no tom do céu

Róseo-azulado me encanta

Enquanto escuto o que não é

Quem nunca veio

Os que lutaram e hoje são histórias

Nem venta na minha mente

Porque intactas ficam as lembranças

De quê, meu Deus?!

Danielle Arantes Giannini, em um ano qualquer que se foi

Inconstância

Sua vida é conduzida por mim,
Decido quem você é hoje
E quem será amanhã
Você não me controla nem me cala
Sou indomável
Meu nome é inconstância
Sou eu quem faz sua rotina ser uma hoje
E outra amanhã
Movimento seus pensamentos
Transformo seus sentimentos
E o transformo em humano
Sou a mudança
Sou o nunca e o sempre
Sem controle nem previsão
Nada me intimida
Porque não sou fórmula fixa
Sou ação
Minha missão é transformar você
E mudar todas as coisas da vida
E todas as coisas do mundo
Estou aqui para cortar suas amarras
Quero arrombar o cadeado do apego
Para libertá-lo da dor
Não adianta lutar contra mim
Eu sou a vida
Vim para abalar suas convicções
Semear a dúvida
Deixar uma cisma em você
E depois me alegrarei com sua transformação
Você não se livrará de mim
Nem mesmo depois de cerrar os olhos
Porque também sou a impermanência
E onde você estiver,
Lá eu estarei.
Venha cá, segure minha mão,
Caminhe comigo
Vou lhe ensinar o que é liberdade
Estaremos juntos até na eternidade
Não se atrase chamando os doutores,
Sábios e entendidos
Eles também seguem as minhas leis
Porque você, os doutores, os sábios, os entendidos
E os ignorantes
São todos meus tutelados
Nada os distingue
Nem títulos,
Nem moedas,
Absolutamente nada
Sou a mesma para o rico e para o pobre
Estou no caminho do justo e do injusto
Mas hoje eu quero você
Vim me apresentar
Não lhe farei mal algum
Confie em mim
E encontrará o caminho que leva a você mesmo
Você nada pode se não for através de mim
Sou a força que rege a natureza
Faço surgirem estrelas, planetas
Sóis de todas as grandezas
Provoco chuvas e mexo na superfície do solo
Componho músicas com o vento
Moldo ondas perfeitas e imperfeitas
Acredita agora que você nada será sem mim?
Então aceite meu convite
Caminhe comigo nessa tarde de sol
Amanhã andaremos pela chuva
E depois lhe trago um pouco de brisa
Se quiser, pinto um arco-íris para você admirar
Só não me peça para ficar parado
Porque sou a inconstância
E vou levá-lo para onde eu for!

Danielle Arantes Giannini 
Texto publicado originalmente em https://vivenciaseganhos.wordpress.com em 8 de dezembro de 2018

Declaração de amor

Não sabia se era brisa ou vento
Silêncio ou alarido
Guerra ou paz.
Não sabia se era calmaria ou entusiamo
Dia ou noite
Coragem ou temor.
Sem saber o que era,
Seguiu
Seguiu olhando para os lados,
Jamais para trás
Precisava saber se era sede
Precisava saber se era dor.
Enfim parou
Ouviu as árvores falarem
Fechou os olhos e ardeu-lhe o peito
Queimou tudo por dentro
Descobriu que não era mais só ela
Agora era essência, era aroma, era amor.

Danielle Arantes Giannini

Não queria despertar

Acordou sem despertar

O corpo estava agarrado ao estrado

Sem poder mexer uma parte sequer de si

Cogitou estar doente

Estremeceu por dentro e por fora

Uma corrente gélida percorreu sua pele

Foi tomado de um embaralhamento mental

O homem não sabia mais respirar

O ar escapava-lhe

Concluiu que era vítima

Não saiu da cama naquele dia

Nem dos dias seguintes

Por mais que lhe tenha chegado socorro

Recusava-se a aceitar o lenitivo

Confortável que estava como sofredor

Perdeu preciosos dias de sua existência

Porque não aceitava esse existir enfermo

Parecia não despertar de um pesadelo

Agarrado aos pensamentos convenientes

Sem poder mexer no destino

Estremecia ao menor risco de disciplinar a mente

O homem não queria respirar

O ar lhe trazia obrigações

Concluiu que estava sendo injustiçado

Não saiu para a vida

Por mais que fosse urgente viver

Estava confortável em ser como era

Porém sua existência não o deixaria perder-se

E gritaria de dor enquanto não fosse notada

Até que ele despertasse do pesadelo da amargura

Para concluir que era o autor do próprio destino.

Danielle Arantes Giannini

Meu lugar

Meu lugar é dentro de mim
Não é o quarto de parede azul-esverdeada
Não é o mural de avisos na parede
Não é a janela com vista pra a construção

Meu lugar é nas profundezas
Não no profundo do ruído da cidade
Não no canto inútil da sala
Não no estrondo da chuva impetuosa

Meu lugar é fora dos livros
Não em cada página cheirando a guardado
Não nas linhas que pertencem a outrem 
Não na luminária insistente 

Meu lugar é onde só há ausências e
No entanto é um lugar cheio, 
Tão repleto de existências
Povoado pelos alaridos que se disputam em cada fotografia

Meu lugar é no silêncio da dor
Meu lugar é no hoje insistente
Meu lugar é na cadeira desconfortável
Meu lugar é nenhum lugar

Olhando em volta de mim tudo está cheio de dias,
Meses, séculos, eternidade
É na eternidade que eu habito,
A eternidade que há dentro de mim.

Danielle Arantes Giannini

Ela partiu

Ela é bela, ela é bela
Ela é o que ninguém mais é
É única, encantadora
A melhor
A mais importante
Incomparável.
Ela é bela, ela é bela
Ela é o todo, tudo compreende
É pilar, é base, é o topo do mundo
Insuperável.
Ela é bela, ela é bela
Vestida de cabelos alourados
Túnica azul feita de tecido-luz
Ela brilha, irradia
Ela apazigua 
Serena,
Compreende
Acalma
Ela é bela, ela é bela
Ela é esperança
Ela é reencontro
Ela é dia e noite
Sol e chuva
Brisa e lágrima
Toda sorriso
Ela é alma imortal
É o porvir
E eu aguardo.

Danielle Arantes Giannini
28/12/2020

Antes de escrever

antes de escrever

Se existe uma coisa cheia de caprichos, é a escrevinhação. Você pode ter a prepotência de pensar que é só chegar, sentar, abrir o caderninho de notas ou ligar o computador e pronto, palavras vão brotando do nada, todas na sequência certa, encadeadinhas, fazendo sentido. Ilusão isso. Escrever é uma tarefa que não divide a atenção com nada. Ou o sujeito de concentra no que vai escrever ou não escreve, simples. Vou antes até, quando você decide escrever e quer fazer isso em qualquer lugar, com pessoas, com barulhos, com movimento, com lista de compromissos na cabeça, com isso com aquilo…nada feito. Parece que palavra, para nascer, quer o ambiente preparado só para ela, sem coisas que dispersam. Não se pode prestar atenção em nada mais a não ser nas palavras que vão para o texto. As conexões cerebrais só acontecem com o devido preparo. Ideias que foram sendo maturadas, estilo que foi programado, metas estipuladas, tudo sob controle, para que possa nascer o texto, até mesmo quando é a vez do improviso, esse senhor mimado que não surge do nada, só aparece em terreno adubado. Mas esse é outro assunto. Quero falar daqueles dias que o textos que quer (ou precisa) surgir fica engasgado e o mundo parece que conspira contra. Não dá para lutar. É hora de se render, deixar as coisas se acalmarem, esperar o agito acabar e então invocar as tágides do Tejo para por-se a trabalhar. Medir força com as palavras é bobagem!

Danielle Arantes Giannini

acúmulo

Puxa vida, quantas palavras não foram escritas desde que a vida atropelou a rotina nos últimos meses. Não ficaram perdidos todos esses vocábulos, claro que não, foram se acumulando, juntando um com o outro, uns mofaram, outros secaram, alguns desistiram e teve um bocado deles que sobreviveu. Vamos enfim colocar todas as palavras em fila, cada qual no seu lugar de partida e seguir adiante, que o ano já passa do meio. Se você já deixou palavras acumularem, sabe do que estou falando, há de ser solidário. Caso nunca tenha experimentado esse desconserto, não zombe do fato. Tantas são as palavras seguradas, que agora falham, ou estariam tímidas? Creio que necessário se faz ter com elas uns acertos, para que voltem todas aos meus textos.

Danielle Arantes Giannini

mais um poeminha para quem ainda dói

ainda a dor

 

como a dor dilacera

a ferida não fecha

rompem-se os nervos

a mente voa para um tempo indesejado

passa o dia pesaroso

cai a noite solitária

cada pedaço de mim arde em vazios

ausências minhas

nada preenche que afague

só falsos suspiros

esses eu não quero

o meu desejo é o meu encontro

Onde?

 

Danielle Arantes Giannini