Deolinda foi à praia

 

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Esperou muito pelas férias que não chegavam nunca. Arrumou algumas mudas de roupa na mala e desceu feliz da vida para o litoral. Ela e quase todas os seres humanos habitantes do planeta. A moça queria colocar os pés na água, relaxar um pouco da correria atribulada da cidade grande, mas quase não viu o mar, não encontrou areia livre para pisar, sequer escutou o barulho das ondas porque o ar foi tomado por uma música estridente, que ela julgava de mau gosto. Em compensação, o nariz respirou uma disputada maresia. Deolinda colocou as roupas de volta na mala, inclusive o cansaço e a decepção, e subiu a serra. De volta à cidade grande, a coitada decidiu comprar um sorvete, que degustou demoradamente no banco de uma sorveteria. Parecia que estava na praia. Desfez-se do cansaço enfim.

Danielle Arantes Giannini

Antes de escrever

antes de escrever

Se existe uma coisa cheia de caprichos, é a escrevinhação. Você pode ter a prepotência de pensar que é só chegar, sentar, abrir o caderninho de notas ou ligar o computador e pronto, palavras vão brotando do nada, todas na sequência certa, encadeadinhas, fazendo sentido. Ilusão isso. Escrever é uma tarefa que não divide a atenção com nada. Ou o sujeito de concentra no que vai escrever ou não escreve, simples. Vou antes até, quando você decide escrever e quer fazer isso em qualquer lugar, com pessoas, com barulhos, com movimento, com lista de compromissos na cabeça, com isso com aquilo…nada feito. Parece que palavra, para nascer, quer o ambiente preparado só para ela, sem coisas que dispersam. Não se pode prestar atenção em nada mais a não ser nas palavras que vão para o texto. As conexões cerebrais só acontecem com o devido preparo. Ideias que foram sendo maturadas, estilo que foi programado, metas estipuladas, tudo sob controle, para que possa nascer o texto, até mesmo quando é a vez do improviso, esse senhor mimado que não surge do nada, só aparece em terreno adubado. Mas esse é outro assunto. Quero falar daqueles dias que o textos que quer (ou precisa) surgir fica engasgado e o mundo parece que conspira contra. Não dá para lutar. É hora de se render, deixar as coisas se acalmarem, esperar o agito acabar e então invocar as tágides do Tejo para por-se a trabalhar. Medir força com as palavras é bobagem!

Danielle Arantes Giannini

acúmulo

Puxa vida, quantas palavras não foram escritas desde que a vida atropelou a rotina nos últimos meses. Não ficaram perdidos todos esses vocábulos, claro que não, foram se acumulando, juntando um com o outro, uns mofaram, outros secaram, alguns desistiram e teve um bocado deles que sobreviveu. Vamos enfim colocar todas as palavras em fila, cada qual no seu lugar de partida e seguir adiante, que o ano já passa do meio. Se você já deixou palavras acumularem, sabe do que estou falando, há de ser solidário. Caso nunca tenha experimentado esse desconserto, não zombe do fato. Tantas são as palavras seguradas, que agora falham, ou estariam tímidas? Creio que necessário se faz ter com elas uns acertos, para que voltem todas aos meus textos.

Danielle Arantes Giannini

Venha cá, inspiração querida!

cafe-inspira

Reservei parte do meu dia para escrever. Livrei-me dos compromissos na rua, cheguei em casa, vi bagunça espalhada e fui dar uma ajeitadinha. Casa limpa areja a mente. Bem, como havia uma pilha de livros e papéis sobre a mesa, achei por bem guardar o que não era urgente e jogar fora o que não prestava. Já que fiz isso na mesa, resolvi fazer também no escritório todo, assim rapidinho. Três sacolas de papéis picados depois, uma hora e meia tinha se passado. Ótima a sensação de leveza. Como é bom desvencilhar-se de inutilidades! Só que depois doeram-me as pernas, veio a fome, mensagens de amigos distantes pelo celular, banho relaxante e finalmente chegou nosso momento, eu e ele, o teclado do computador. E nada. Zero inspiração. O avançado da hora, pra mais de onze e meia da noite, não me recomendava nada à base de cafeína. Era eu e a tela branca, eu e as palavras fugidias. As palavras resolveram zombar do meu cansaço, cruzaram todas elas as pernas e recusaram-se a me servir. Quem sabe ler umas páginas ajuda. Estou com algumas leituras abertas: Manoel de Barros, Cecília Meireles, um livro sobre a Doutrina de Buda e uma obra sobre psicologia espírita, de Joanna de Ângelis. A ver de onde vem a inspiração, esta que me renega justo hoje que me guardei para ela!
E o celular não para de fazem plim-plim…

Danielle Arantes Giannini

Se a mente estiver negativa, pode ser ruim…ou não! Leia em https://doreseganhos.wordpress.com/2017/01/18/tirando-vantagem-das-negatividades/

Equação da semana

Acordei na hora errada, fazendo contas, antes de o despertador tocar. Que desatino! Nem faço as contas das horas de sono que já perdi fazendo contas. Sim, essas coisas gostam de acontecer no meio do sono, não podem esperar a pessoa acordar. Fiz contas, fiz contas, e a mente não descansou, ficou povoada de seres intrusos, pis, tangentes, senos e co-senos, raios, ângulos e logarítimos. equação_imagemAssustador numa manhã de segunda-feira. Mas tinham lá o seu gingado. Sim, a semana seria uma bela equação matemática, disso eu estava convencida, só que com gostinho de recordações. Não que a matemática não tenha sido um trauma na minha adolescência, mas também não deixou sequelas … a não ser pela faculdade de Arquitetura que jamais tentei cursar por limitações óbvias. A mim, parece-me mais confortáveL arquitetar textos. Pelo menos se eu errar a concordância, nenhum prédio cai. Apesar dos sufocos numéricos no colégio, nada de rancores; muito pelo contrário, a matemática me presenteou com amigos queridíssimos que moram no meu coração. Um deles foi uma paciente criatura que exerceu a nobre função de ser meu professor de Matemática. Acho que era distraído o coitado, pois anos mais tarde, quando os trilhos da vida me levaram a trabalhar com ele na mesma escola, eu o ouvi dizer repetidas vezes: “essa foi uma ótima aluna, inteligentíssima”! Juro que ele me confundiu com outra aluna. A nota que obtive na primeira prova dele chega a ser indecente e obviamente meus pudores não me permitem revelar o valor. Claro que nunca trouxe esta lembrança a ele, afinal é prudente não decepcionar quem nos admira. Meu outro querido matemático…ah, esse balançou e  pôs um pé nas letras, mas não arreda o outro pé dos números. Por mais que eu tentasse irritá-lo dizendo que corrigir aquelas provinhas de matemática era baba, ele nunca deu a menor  bola para meu insulto, devia saber que era despeito mesmo. Ah, e tem também uma irmã minha, que é a encarnação da matemática. Adoro estar ao seu lado no comércio quando ela faz os cálculos de cabeça em segundos e dá o valor antes da pessoa do caixa respirar, eu me sinto a tal, mesmo que quase por osmose. Só que os genes da matemática disponíveis para nosso sobrenome foram parar todos nessa doce e prestativa irmã.  Não posso sequer dizer que gostaria de ser como ela quando crescer por razões que quem me conhece sabe bem.  Fico feliz que haja tantos engenheiros na família.  E todos detestam as letras. Lástima. Eu não entendo. As letras são tão úteis, tão maleáveis, não têm a rigidez dos números. Não, não estou querendo dizer que não gosto deles, inclusive quero fazer as pazes com eles. Hoje, mesmo eles tendo me acordado fora de hora, estou de bem com todos os algarismos, embora a equação da semana tenha dado um resultado beirando o desesperador. Culpa da matemática? De forma alguma! As responsáveis pelo meu pânico são as letras mesmo. A matemática nunca é culpada, ela é o que é. Vejam a matemática da vida, nunca dá erro, as fórmulas são precisas e existem para serem aplicadas; se o aluno displicente ou teimoso não emprega a fórmula certa, o problema não está na matemática. Com as letras é diferente. Posso usar essa palavra ou aquela, construir meu enunciado assim ou assado, encadear de uma maneira ou de outra…e sabe-se lá o efeito produzido, não raro diferente do esperado. Com uma palavra posso minar a doçura, provocar escárnio, despertar o ânimo ou o desânimo. São temperamentais as letras, parecem ter intenções próprias e gostam de nos provocar. Mesmo assim, não tem como viver sem elas, criaturas instáveis e imprevisíveis. Procuro entender cada uma delas, afinal são minhas fieis companheiras e me servem com valentia, estão à minha disposição para o que der e vier, portanto delas não me queixo. Meu perrengue hoje é com os números mesmo, que me acordaram antes da hora para me aterrorizar e me intimidar. Então decidi que salvarei a semana com as palavras e seja como for, vai terminar.

Danielle Arantes Giannini

Ideias fermentadas

riscosQuando a mente borbulha, perece que cresce, se expande. São as ideias fermentando. Digo-lhes que não podem eclodir todas ao mesmo tempo, devem respeitar uma ordem. Não sei qual sequência, mas é urgente uma disciplina mental, organizacional. Parece que as ideias não deram muita bola para meu discurso controlador e continuaram agitadas, revolucionando os neurônios, que de tão confusos, não permitiam qualquer ação prática. O resultado é que, até o momento, todos os projetos quedaram-se no papel, apenas palavras.

 

Danielle A. Giannini

O céu na minha cidade está negro

ceu negro

 

Olhei para o céu e vi que estava desabando negrume sobre os passantes. Tratei de passar rápido. Tinha afazeres para o dia. Era meu segundo dia de disciplina, não podia falhar. Portanto parar e esperar o futuro do céu não estava nos meus planos. Pensei que minha vida devia continuar, assim como todas as vidas devem continuar mesmo quando o céu está pesado, pesaroso, pois os problemas e as soluções existem apesar do céu.

Então segui adiante.

Danielle A.Giannini

Próxima pegada

Texto-presente de André Santana para Palavras sobre Palavras

imagem texto andre santana

Ele estava vindo nesta direção.
Chapéu na mão,
andar lento e sem nenhuma pressa.
Cá entre nós,
a vida é assim.
Constante e sem pressa…
Ao olhar para trás,
ficam somente as pegadas.
Em breve elas sumirão.
Seja na próxima poeira,
próxima chuva,
brisa
ou mesmo próxima pegada.

(André Santana – http://assandre.wix.com/andresantana)

 

 

 

Banco de personagens: Julieta não comeu morangos

2011-07-20_1311174130Depois da espera de quase um ano, Julieta desistiu. Não compraria morangos nesta estação. Os danados chegaram caros demais, Julieta tinha outras prioridades. Não que fossem exorbitantemente dispendiosos, não que faltasse vontade a ela, era mesmo por acreditar que seu desejo não valia aquilo que estavam cobrando. Poderia juntar o dinheiro de todas as caixas de morangos vermelhos e suculentos que certamente compraria durante o inverno. Preferiu deixar para o ano seguinte, quem sabe a fruta estaria mais em conta. Entrou no estúdio de tatuagens e saiu com um belo morango no antebraço. Finalmente um morango para apreciar em todas as estações do ano.

Danielle A. Giannini

21/07/16

 

Sobre a impetuosidade das ideias

Sobre a impetuosidade das ideias_imagemeditada

Se as ideias despontam na mente, temos duas opções, colocá-las para fora ou taparmos cada uma delas com uma pá de cal do esquecimento.

Às vezes funciona deixarmos largadas em qualquer canto inútil e inerte do pensamento, outras vezes a estratégica não dá certo, aí elas voltam a nos assediar com toda força, são vorazes e impiedosas, e enquanto não as expelimos, não há calma que reine no nosso pensar. Pode ser falando, cantando ou escrevendo, não importa, as ideias querem sair.

Vamos tratar aqui das ideias que desejam sair escritas. Em geral, essas ideias são caprichosas, querem perdurar, não se contentam em serem lançadas ao vento. Para essas ideias precisamos dar atenção, e dependendo do caso até recolhimento, para que tomem forma em um texto que mereça ser lido. Seja qual for o gênero que se opte por escrever, as ideias precisam ser domadas, organizadas e reordenadas segundo os critérios da correção e os caprichos da estética, ou os rigores da técnica. Não se pode deixar uma ideia decidir por si só como quer ser exposta em um texto. Precisamos ter pulso firme a assumir as rédeas do nosso texto, impondo o ritmo, o tom e a forma que nos convém. Quando assumimos que somos autores do nosso texto, aí sim as ideias entendem o seu devido lugar. E que sejamos autores decididos, firmes nas decisões, ou perderemos completamente a autoridade sobre elas, pois ideias não são bobas, ficam à espreita, esperando um vacilo, para dominarem o processo de criação. Sendo assim, que venham as ideias, e que sejam boas, e que sejam nossas aliadas.

 

 

Danielle Arantes Giannini