Experimente ficar alheio aos seus desejos, digo, aqueles desejos particulares de realização; sabe aquele motor que nos move? Esse mesmo, tente desligar essa maquinaria e ir vivendo, automaticamente, sorvendo o ar, fingindo-se de desentendido porque tem obrigações a cumprir. Faça isso e seus dons mais valiosos vão se ressentir. Se a sua realização for pintar, recomendo que não cometa o despautério de virar as costas para cores, formas e pinceis, pois isso é um duro golpe difícil de aguentar. Quando você, por alguma razão inexplicável, resolver voltar a ter com eles, pode ser que leve uma negativa que vai lhe corroer a alma, e as cores vão desvanecer. Imagine seu desespero tentando trazê-las de volta, sem êxito?! Não adiantará acusar o azar, afinal o que é o azar, isso existe? Crer no azar é uma crença cega e inútil. Se as cores fugirem, o responsável será você. É o que acontece com o músico que guarda os instrumentos debaixo de uma camada de pó, sem pensar no efeito cruel sobre cada nota musical. Quando elas escorrerem pauta abaixo, será tarde. O que dirá do escultor que negligencia o barro? Só terá poeira sujando sua consciência. Quem escreve sofre da mesma ameaça; se deixa as palavras de lado, sem se ocupar de colocá-las em uma única frase que seja, elas simplesmente se apagam. Tudo muito lógico, afinal quem gosta de ser posto de fora das coisas importantes e urgentes da vida de alguém? Quem gosta de não ter serventia alguma para quem sempre esteve ali, junto, realizando? Ninguém, nem as cores, nem as notas musicais, nem as palavras, nem a argila, o vidro, o metal, a lã e mais uma porção de seres que estão no mundo para fazer com que você se realize, por meio do pomposo nome de dom. Portanto, se você tem o desejo íntimo e intransferível de realização, não siga só respirando, faça as pazes com os seus dons enquanto o tempo não os rouba para sempre.
Danielle Arantes Giannini