Não queria despertar

Acordou sem despertar

O corpo estava agarrado ao estrado

Sem poder mexer uma parte sequer de si

Cogitou estar doente

Estremeceu por dentro e por fora

Uma corrente gélida percorreu sua pele

Foi tomado de um embaralhamento mental

O homem não sabia mais respirar

O ar escapava-lhe

Concluiu que era vítima

Não saiu da cama naquele dia

Nem dos dias seguintes

Por mais que lhe tenha chegado socorro

Recusava-se a aceitar o lenitivo

Confortável que estava como sofredor

Perdeu preciosos dias de sua existência

Porque não aceitava esse existir enfermo

Parecia não despertar de um pesadelo

Agarrado aos pensamentos convenientes

Sem poder mexer no destino

Estremecia ao menor risco de disciplinar a mente

O homem não queria respirar

O ar lhe trazia obrigações

Concluiu que estava sendo injustiçado

Não saiu para a vida

Por mais que fosse urgente viver

Estava confortável em ser como era

Porém sua existência não o deixaria perder-se

E gritaria de dor enquanto não fosse notada

Até que ele despertasse do pesadelo da amargura

Para concluir que era o autor do próprio destino.

Danielle Arantes Giannini

Sobre a impetuosidade das ideias

Sobre a impetuosidade das ideias_imagemeditada

Se as ideias despontam na mente, temos duas opções, colocá-las para fora ou taparmos cada uma delas com uma pá de cal do esquecimento.

Às vezes funciona deixarmos largadas em qualquer canto inútil e inerte do pensamento, outras vezes a estratégica não dá certo, aí elas voltam a nos assediar com toda força, são vorazes e impiedosas, e enquanto não as expelimos, não há calma que reine no nosso pensar. Pode ser falando, cantando ou escrevendo, não importa, as ideias querem sair.

Vamos tratar aqui das ideias que desejam sair escritas. Em geral, essas ideias são caprichosas, querem perdurar, não se contentam em serem lançadas ao vento. Para essas ideias precisamos dar atenção, e dependendo do caso até recolhimento, para que tomem forma em um texto que mereça ser lido. Seja qual for o gênero que se opte por escrever, as ideias precisam ser domadas, organizadas e reordenadas segundo os critérios da correção e os caprichos da estética, ou os rigores da técnica. Não se pode deixar uma ideia decidir por si só como quer ser exposta em um texto. Precisamos ter pulso firme a assumir as rédeas do nosso texto, impondo o ritmo, o tom e a forma que nos convém. Quando assumimos que somos autores do nosso texto, aí sim as ideias entendem o seu devido lugar. E que sejamos autores decididos, firmes nas decisões, ou perderemos completamente a autoridade sobre elas, pois ideias não são bobas, ficam à espreita, esperando um vacilo, para dominarem o processo de criação. Sendo assim, que venham as ideias, e que sejam boas, e que sejam nossas aliadas.

 

 

Danielle Arantes Giannini

Banco de personagens – A moça de cabelos pretos

Ela procurava palavras. Não qualquer palavra, uma palavra que coubesse na sua vida, como que sob medida. Por isso leu tanto e de tanto ler ganhou uma angústia dessas que não são comuns. Definitivamente não estava feliz com o que lia, quantas palavras desnecessárias, palavras sem encaixe, meras palavras. Não suportava mais, seu cérebro estava sumindo. Naquela noite, sentindo sua mente castigada demais, decidiu parar de ler. A moça de cabelos pretos foi comer morangos.

Danielle A. Giannini